Delírios e Delícias de uma Caminhada à Beira Mar

"Do apartamento na rua Mamanguape à praia, não passa de 500m de distância, proximidades do Carrefour da av. Domingos Ferreira. Pego o calçadão e me dirijo ao Pina, na altura da av. Herculano Bandeira, a cerca de 3km de onde me deparo retinas com o mar. Depois destes, retorno e, passando pelo ponto em que entrara na av. Boa Viagem, sigo em frente, em direção à Piedade, Candeias. Se os pés não me faltam, continuo à Barra de Jangada. Não é empreendimento para incipientes e o retorno é bem cuidado, posto a distância não ser pouca. A circunferência da Terra no equador é de, aproximadamente, 40.075 km. Se, ao longo de 2004 dias, a caminhada for uma média de 20km, o equivalente àquela medida terá sido vencido... Contrariamente ao que quase todos imaginam, não é Nietzsche que me segue nesta empreitada não circular do meu raciocínio. Não há espaço para amadorismos, quando se é lançado ao mar, sem pedidos, sem avisos prévios, sem se saber nadar; é nadar ou morrer... Do ser ao ser humano, ou deste àquele, a jornada é minimalista e, novamente, Nietzsche diz que eu procure outra companhia; atendo-lhe e, num maiô preto e envolta numa canga coloridíssima, saio em meu permanente diálogo 85% indutivo, pensamentos dados ao litoral do Sudeste... Meus pés latejam muito e, aos berros latentes, balbuciam, quase inaudivelmente, que a pele que os recobre e os músculos, nervos e ossos e tendões que o compôem, nada hão a ter com qualquer Filosofia ou convicção. Grotesco engano deles ou insensibilidade minha? O mar avança sobre pedras que foram plantadas para contê-lo; mas o mar avança e ri das vãs tentativas de se jugular o inevitável, quando este "foi construído" para que o ser se poupasse, ao máximo, de alguns (Ou talvez todos.) usos desnecessários da régua que mede. Não percebe a vontade menor como usar a febra da maior... Por céus! Daí tantas lamúrias. Meus pés estão em carne viva, inchados e nem mesmo uma confortável havaiana os apazigua; eles sabem que estão em posição diametralmente oposta ao que os comanda e relutam à submissão, pois imaginam que não a pediram e não a alimentam... Ainda no calçadão, porém à linha do Shopping Guararapes, pausa para uma água de coco; por incontáveis razões, não é possível beber do Oceano, ainda que deste se sorva águas várias do oceano que percebo, ambos de correntezas não sempre varias... Quilômetros ficaram para trás; outros mais há à frente. Uma brisa docemente salgada acaricia-me a pele, enquanto Neuronito (Meu neurônio isolado.), tenta extrair algo dos 15% que deduzem. É hora de retornar ao que nunca é o mesmo, jamais é perfeito, nunca é acabado... São tais nunca e jamais que fazem com que se ande, se busque, se caminhe; a perfeição seria o tédio, a morte, a supressão do aprender e construir. Não há lagos calmos e outros sons interrompem o gemido dos meus pés: o brilhantismo de Wojciech Kilar e o virtuosismo de Arthur Rubinstein embraseiam a própria música, quiçá o oceano. Não há eufemismos e o alemão que afirmava que, sem a música a vida seria um erro, deveria ter se poupado de óbvios e garimpado que, sem o "salto, o pensamento seria inviável e este, mais régua ou menos régua, teria que acontecer. A exaustão me incendeia, ao mesmo tempo em que me afoga. Fito as ondas, viro-me e adentro a Mamanguape; saindo dos quilômetros e medidas de distância, visto-me de matemática estatística. Acontece nas ""melhores" famílias"... Chego ao prédio, subo o elevador e, do quarto andar, corpo largado num chuveiro, ensaboo-me com duas certezas: eu existo e é hora de ir trabalhar."
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Febra - força. Várias - diversas; varias - mudas.